Mudanças, por Cayo Vieira

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Cayo Vieira é fotógrafo e autor do Projeto Mudanças, um livro-reportagem que retrata famílias em busca de moradia na região metropolitana de Curitiba. Convidamos o fotógrafo para exibir algumas de suas fotografias aqui no nosso site e nos responder perguntas sobre seu trabalho.



CameraNeon: O que é o Projeto Mudanças?

Cayo Vieira: O projeto “MUDANÇAS” consiste na continuidade à pesquisa de Cayo Vieira. Mudanças viaja por bairros da região metropolitana de Curitiba e apresenta, em imagens e textos, um registro das transformações sociais proporcionadas às famílias que estão em busca de uma moradia. O livro-reportagem mostra o início do resgate social dessas famílias que se deu por meio de uma moradia digna, a renovação da identidade destes indivíduos que podem não ter mudado totalmente de vida, mas agora possuem um endereço para se tornarem cidadãos.


Qual é o propósito do Projeto Mudanças?

A MUDANÇA é entendida como uma ideia íntima e comum ao ser humano, aqui facilmente ilustrada através da troca de endereço, porém vemos como uma oportunidade única do indivíduo buscar um crescimento e auto-realização.

A ‘casa externa’ é um rompimento entre um passado – às vezes triste e doloroso. Buscamos nos programas encontrar famílias que descubram no projeto esse sentido: uma vida, verdadeiramente, nova.

Nos perguntamos: o que é preciso para essa MUDANÇA plena acontecer?
A ‘casa externa’ é fundamental para a transformação, mas como tudo que é material, é passível a uma MUDANÇA negativa como a degradação e depredação com o tempo. Porém, sem a construção da ‘casa interna’, vista aqui como essencial, não se sustenta.

O objetivo é retratar todo esse processo em imagens, fazer uma ponte entre duas realidades tão comuns, mas por vezes invisível, entre essas famílias que vivem em condições precárias (muitas vezes em risco e quase sempre na informalidade), com a sociedade em geral, do ponto de vista físico ou como resultado de múltiplas ações conscientes e inconscientes no campo emocional. “MUDANÇAS” é um convite à MUDA­NÇA.



Há quanto tempo começou o Projeto Mudanças?

O gosto por fotografar pessoas em risco social começou em 2010, quando fotografava pela Companhia de Habitação do Paraná. Neste início, durante o trabalho institucional que desempenhava, a ideia, no princípio, era observar e registrar a mudança física que estava acontecendo nas regiões atendidas pelos programas, porém a ideia de produzir um ensaio sobre a MUDANÇA, e não simplesmente um documento acerca do sistema habitacional, surgiu a partir de um amadurecimento pessoal, reflexões que começaram a me confrontar quando fui fotografar algumas comunidades que não tinham ainda à expectativa de uma moradia, regiões de fronteira, estas que não estavam nem no mapa urbanístico local, em um cenário de miséria extrema e um risco maior do que eu estava acostumado.

Então quando olhei com empatia vi muito mais de mim neles, buscando a minha própria MUDANÇA.

Acredito hoje num trabalho mais humano e responsável e não meramente documental. Questionamentos e padrões de comportamento são comuns às famílias e a mim como indivíduo e cidadão. O projeto hoje está focado, principalmente, no trabalho social como eixo essencial para um programa bem-sucedido.


Por que você escolheu estas quatro fotos que estão ilustrando o artigo? De forma geral, o que elas representam para você?

Eu escolhi essas fotos pois de forma geral elas me revelam toda a essência e pureza desse trabalho.


Por que você escolheu que as fotos fossem publicadas em preto e branco?

O preto e branco está sendo usado nesse primeiro momento, pois simboliza o antes. Um detalhe: durante o processo, observamos que pelo menos duas famílias, infelizmente, só aparecerão em preto e branco. Estas famílias, por algum motivo, não vêem a Mudança como bem-vinda, ou então por motivos burocráticos, serão despejadas e não conseguirão o novo endereço.


Qual a importância do preto e branco na fotografia do projeto Mudanças?

Optei também pelo P&B, pois posso assim fazer fotos com câmeras analógicas, revelar eu mesmo meus filmes, e, consequentemente fazer minhas próprias cópias, o que torna meu trabalho mais intenso e verdadeiro. Voltar à essência da minha fotografia, rever a minha vida através da minha profissão, é hoje um alicerce para a minha própria MUDANÇA.



Como as suas fotos ajudaram as pessoas fotografadas?

Minhas fotos ajudam primeiramente a mim mesmo, neste trabalho saio de mim, quando não só observo, mas me coloco ali como um ser humano em busca de MUDANÇA. Espero não só ajudar aquelas pessoas a entender a importância da MUDANÇA, como também instigá-las à MUDANÇA. Espero também atrair o expectador desse trabalho para a MUDANÇA, sendo ela física ou como resultado de múltiplas ações conscientes e inconscientes no campo emocional.


Descreva o processo de aproximação com as pessoas e qual a sua estratégia para fotografá-las.

O processo de aproximação com as pessoas é muito natural, apesar de nem todas as famílias estarem abertas à Mudança, todas, até então, são extremamente educadas e a sua maioria abertas ao diálogo. É impressionante como essas famílias são receptivas. Não tenho uma estratégia para fotografar nesse caso, muitas vezes, inconscientemente eu abandono a câmera, e apenas converso com as pessoas. Eu não busco mais um resultado específico como antes (estando em uma empresa). O processo é que é enriquecedor. Mas para ajudar na aproximação, contamos com profissionais de serviço social, como nós da comunicação, são apaixonadas pelo que fazem, e é sempre um prazer tê-los conosco.


Qual foi o maior desafio para tirar estas fotos?

Eu tenho me surpreendido com essa região específica que estamos atendendo, não me sinto desconfortável, nem inseguro em relação à segurança, como já senti em outras regiões. Mas com certeza é um desafio, entrar em casas abandonadas, atravessar o rio… E, tecnicamente, escolher lentes diferentes das que estou acostumado a usar para fotografia de palco, por exemplo, como os lugares são muito pequenos, opto pelas grande angulares.

As pessoas, em geral, gostam de ser fotografadas, principalmente as crianças, muitas delas jamais viram uma câmera fotográfica. Quando faço com digital sempre mostro o resultado a elas. É especial ver como elas reagem ao se olhar. Eu particularmente gosto de fotografar as tímidas, gosto como as pessoas reagem estando tímidas, são sinceras, eu também me identifico e lembro que lidar com as tímidas foi um grande passo à MUDANÇA!



Você fala no seu texto de apresentação que o projeto, inicialmente, tinha a intenção de documentar apenas a mudança física das pessoas – chamada por você de mudança de “casa externa”. Depois, o projeto cresceu, passando a incluir também a documentação da mudança da “casa interna”, ou seja, o crescimento e a auto-realização das pessoas que foram contempladas com os programas habitacionais do projeto. Na sua opinião, qual a relação entre a mudança da “casa externa” e a da “casa interna”? Como uma pessoa que está observando isto de perto, você acha que mudar fisicamente de casa significa necessariamente que a pessoa vai mudar a “casa interna”?

Talvez o que tenha feito eu mudar tantas vezes de endereço, a “casa externa”, tenha sido a total desconsideração e falta de respeito comigo – a “casa interior”. Durante meu trabalho documental na Cohapar, ouvi e presenciei muitas histórias: famílias que sonham uma vida inteira com sua casa própria, quando as conseguem, em meses, as vendem ou trocam por carros, até mesmo por alguns animais. É como se estivessem à beira do abismo, e fossem tragados por ele, como se dependessem daquela miséria, voltam para situações degradantes. Quintais onde há espaço para flores, cresce o lixo trazido de dentro de si, vasos sanitários, onde deveria se fazer as necessidades, antes feitas nos córregos e patentes improvisadas, feitas ali de vasos de plantas… É preciso uma mudança de hábitos.

O conceito “favela” não está nas regiões, está dentro de cada um, que aceita e se adapta uma vida inteira com uma verdade, e junto com a proposta de Mudança, vem o medo do novo, o desconforto da adaptação a uma nova realidade. A casa interna é complexa e não é mudada uma vez.

Há anos venho mudando de “casas externas” e há anos faço o caminho de volta.


Para finalizar, passe uma mensagem curta, mas inspiradora para outros fotógrafos seguirem/persistirem em seus próprios projetos… Acreditarem que também podem fazer algo legal como você está fazendo.

As informações sobre fotografia estão cada vez mais acessíveis a todos, eu acho que o que faz um trabalho ser bom é o quão envolvente e significativo ele se torna pra você. Eu defendo a fotografia prática e, particularmente, sou mais feliz sem intelectualizar minha fotografia e simplesmente experimentando e muitas vezes desconstruindo a técnica.

Sobre Cayo Vieira

Cayo Vieira, 28, é fotógrafo. Nasceu em Curitiba, cursou Comunicação Social/Jornalismo (UNIBRASIL) e Pintura na EMBAP (Escola de Música e Belas Artes do Paraná). Atuante desde 2002 nas áreas de fotojornalismo, publicidade, fotografia de palco e autoral. Trabalhou como assistente de estúdio e tratamento de imagem no Estúdio de “João Thibes” em 2003. Trabalhou na Assessoria de Marketing do “GRUPO EXPOENTE” em 2004. Fez sua primeira exposição individual “PALCO” em 2006. Participou com fotografias e tratamento de imagem do livro “BALÉ GUAÍRA” em 2005. Lançou a publicação nacional, o livro “VIDA DE BONECO” em 2006 junto com Sergio Vieira, Ed Viggiani e Liz Wood. Cobriu como fotojornalista a campanha de 2006 para o governo do Estado do Paraná. “HEROÍNAS”, em 2007, foi sua segunda individual, lançando juntamente um calendário anual, Curitiba/PR; São Paulo/SP. Publicou “TEORIA DA PERCEPÇÃO” em 2010, um ensaio autoral sobre cores e texturas e estudo da fotografia como ponto de partida para outras técnicas. Cobriu o “NÚCLEO DRAMATURGIA SESI PR” em 2012. Atuou como fotojornalista na Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná) em 2010-2013. Publicou o ensaio “PROJETO Z” em 2013, um processo de criação de Luciane Figueiredo. Atualmente coletando material para a produção do livro “MUDANÇAS” – Contemplado pela lei Mecenato de Incentivo à Cultura.

Portfólio: www.cayovieira.com

Blog do Projeto: mudancasblog.com


Publicado por Câmera Neon em 2014-12-14 00:11:35. Última atualização em . [sc:end2 ]

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